Sicilia - viagem

Uma noite em Palermo. A cidade onde o caos e a beleza fervem na mesma panela

Livia Lucas (Palermo-Italia) - September 3
Explorar a cidade de Palermo durante a noite é uma experiência muito interessante, principalmente em companhia de alguém que conhece bem a capital siciliana.

Foto dreamingpalermo.it

Explorar a cidade de Palermo durante a noite é uma experiência muito interessante, principalmente em companhia de alguém que conhece bem a capital siciliana.

Me deixo guiar pelo meu companheiro de aventuras Alessio Bondì (ver su musica), autentico palermitano, um apaixonado e grande conhecedor dos lugares mais recônditos de sua cidade.

Começamos o passeio pela Piazza Marina, berço de árvores seculares, majestosas, onde reside a maior árvore da Europa. Ali mesmo, nos arredores da praça é possível entender um pouco trágica e urgente situação da imigração africana na Italia (no ultimo ano mais de 150 mil imigrantes desembarcaram na Sicilia e na costa italiana em condições alarmantes, uma cifra que se multiplica vertiginosamente desde 2011.

Segundo dados da fundação ISMU, cerca de 3 barcos, ou mais, trazem aproximadamente 500 imigrantes irregulares por dia,

164 pessoas em média por barco, entre homens, mulheres e crianças, sendo que muitos deles morrem no percurso). Pelas ruas que rodeiam Piazza Marina trabalham dois africanos a cada dez metros. São muitos tentando sobreviver, guardando os carros, com uma desesperada e comovente abordagem, com notável disposição para o trabalho, e cada vez menos esperança de inserção social.

Seguimos pelo bairro de La Kalsa (o nome deriva do arabe al Khalisa, che significa a pura ou a eleita), que num passado remoto foi o centro econômico dos arabes, onde as paredes de pedra dos velhos edifícios e palacetes contam história, e muitos deles confessam sua verdadeira idade, sem reformas nem retoques.

La Kalsa é povoado por museus e teatros, um bairro labiríntico, com os ares de lugar sem relógio, onde as sensações se confundem e nos transportam a uma época que não vivemos, mas está ali, viva, muito presente. Cada rua tem um cheiro... uma tem cheiro de churrasco, a outra cheira a lixo, a mais estreita de todas, de casas com varal na calçada, tem um cheiro fresco e agradável de roupa limpa, e por aí vai.

Passando por uma dessas ruas encontramos uma senhora, de semblante solitário, que caminhava tranquilamente com seu cachorro, outras duas mulheres empurrando velhos carrinhos, desses com grelha para fazer churrasquinho na rua. O carro de uma delas tinha a roda com defeito, porém a moça o fazia rodar como se não houvesse nenhum obstáculo. As vezes passava algum homem do outro lado da rua, e elas gritavam pedindo algo. Pareciam membros da mesma família, se notava no tom do grito uma intimidade não ofensiva, rude porém.

Costuramos a pé o emaranhado de ruas desertas, repletas das caminhonetes triciclo, os Ape car, muito comuns em Palermo. Alguma rua nos conduzia a praças quietas, com velhas igrejas, ou a outras menos tranquilas com bares e vendedores ambulantes, ou mesmo ruas que de silenciosas e vazias se transformavam com o avançar dos passos em restaurantes ao ar livre, cheios de gente, com mesas na calçada, onde o peixe e os mariscos frescos são preparados a céu aberto.

Em La Kalsa as baratas se multiplicam ao lado de restaurantes sofisticados, os edifícios populares se mesclam com as construções históricas, museus e teatros, o belo e o decadente se entrelaçam e se necessitam. No bairro onde nasceram as personalidades mais importantes da luta contra máfia - e por ela assassinados - Giovanni Falcone, Paolo Borsellino, também nasceu Tommaso Buscetta, um dos mais perigosos nomes da máfia a qual combatiam. No mesmo bairro os três personagens dessa batalha épica sem final feliz, quando crianças brincavam juntos.

Um lugar das esquinas sem tempo, de uma sensação ilusória de presença num passado distante, onde o caminho nos engole e depois nos vomita no centro de um pátio antigo, quase vazio, do agosto Palermitano. Eu com os olhos atentos, os sentidos abertos, contemplo as fachadas e espio os saguões.

Ao regressar pelo labirinto reencontramos os mesmos personagens: a senhora que passeava com o seu cão, dessa vez desacompanhada, e as duas mulheres que antes empurravam os carrinhos, trabalhando a pleno vapor, soltando fumaça, assando as carnes em meio a Piazza della Magione.

Em Palermo os santos estão por todas as partes, como em toda cidade católica, porém os santos que mais me chamaram a atenção durante esse passeio noturno não estavam dentro das igrejas, e sim no meio da rua. Uma figura de São Jorge estampada num muro, e Santa Rosalia, majestosa, no topo do carro alegórico da festa que leva o seu nome e pára a capital siciliana no mês de julho. Santa Rosalia é a venerada padroeira de cidade, a salvadora de Palermo, que livrou a cidade de uma devastadora peste em 1624.

Logo em frente ao carro alegórico exposto em Via Messina Marine, onde normalmente se vê o porto, levantaram um muro, uma obra sem a mínima lógica, que separa o mar dos nossos olhos, nos afasta do que é natural, pra proteger não sei o que.(Pan-ormo é o nome latino da cidade de Palermo que significa "tutto-porto"em italiano. A cidade porto é rodeada de mar, porém limita o acesso aos banhistas a causa de construções abusivas de propriedades privadas que, desrespeitando a legislação, se apropria da costa em muitos pontos da cidade, desde o fim da guerra até os dias de hoje).

Palermo existe nessa contradição, respira o surrealismo na vida cotidiana, e flerta com os paradoxos a todo tempo. A começar por ser um lugar que, dentro dessa classificação de 3 mundos na escala do desenvolvimento social (se ela realmente existisse), integraria perfeitamente o segundo mundo, o qual ninguém mensiona. Esse segundo mundo que incorpora e amalgama o primeiro e o terceiro, que reúne o desenvolvimento e a precariedade, a ordem e o caos, a integridade e a decadência, a beleza e o dejeto.

La Kalsa é esse segundo mundo em movimento, é paradoxal pois parece estar parada no tempo, é a arte contemporânea exposta em um edificio antiquíssimo, é a história da arte nas paredes das igrejas, dos palácios, é naïf ao mesmo tempo, é o calabolso oculto onde os prisioneiros da inquisição deixaram impressas suas pinturas, seus poemas, herança de um sofrimento perpétuo. La Kalsa é um capítulo memorável da luta da justiça contra a máfia, é a beleza de um lugar que se reinventa sem perder a essência, sem perder os cheiros e as cores de sempre, um lugar que tem alma, como uma entidade, que de tão ancestral se faz notar imponente e poderosa, como as árvores da praça, ainda que os olhos não a vejam.

Livia Lucas para Micmag.net (Palermo) 


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