07-11-2011 15:23:58

Diario de uma brasileira em Marrakech VIII- IX-X

Na ultima segunda-feira, o meu dia de folga, decidi viajar! Comprei uma passagem para Essaouira, uma das cidades mais recomendadas pelos que passam pelo meu caminho.
Livia Lucas


Na falta de um companheiro (a) de aventura, fui sozinha mesmo. Preparei tudo com antecedência de 1 dia... Hotel, passagens, e claro, roteiro livre. Não costumo informar-me sobre os lugares que visito, gosto de ser surpreendida, e isso realmente acontece.

Peguei o ônibus de manhã bem cedinho, e não demorou muito pra pegar no sono também. Quando abro os olhos, no meio da viagem, me deparo com um deserto à minha frente, foi a primeira vez que vi um deserto na minha vida, me emocionei. Mas adiante vejo uma arvore cheia de cabras montadas, uma em cada galho. Cômico, me deu vontade de rir, sozinha!!! E para comprovar que não foi um delírio, dentro de segundos, me aparece outra árvore, lotada de cabras. Novamente algo que eu nunca vi, em menos de 10 minutos. A viagem já estava divertida desde o começo.

Cheguei a Essaouira, peguei um taxi e fui direto para o hotel (que, diga-se de passagem, custou super barato). Deixei minhas coisas, troquei o lenço que tinha na cabeça por um tecido mais fresco, e fui caminhar. Depois de andar uns 600m cheguei à orla da grande praia de Essaouira, de águas turvas e vento forte. Em uma ponta da praia, justamente aonde eu cheguei, havia um monte de camelos, e na outra, um porto. A praia estava vazia, ventava muito, um vento fresco, e ao mesmo tempo o sol queimava, e a maioria dos que estavam dentro da água eram surfistas. O mar de águas turvas me lembrou muito as praias do espírito santo, a areia cor de caramelo também. Com a maré baixa o mar se afasta muito da calçada, e o espaço de areia que sobra entre a rua e o mar é enorme, bem plano, bom pra andar, pensar na vida, não pensar em nada.

Percorri a praia inteira, e desde longe eu avistava uma muralha, e dentro um aglomerado de construções de cor branca, e já imaginava que aquilo pudesse ser a Medina da cidade. Me aproximei um pouco mais, e concluí... só podia ser ali. Atravessei o portal de pedras que dá acesso a esse mundo, a essa dimensão, de cores, cheiros, sons e sabores, e lá passei a minha tarde inteira, explorando aquele labirinto de becos e ruas estreitas, repleto de comerciantes, de pessoas e seus trajes tradicionais, de turistas, de gatos (os gatos estão para as ruas do Marrocos como os cachorros para as ruas do Brasil). Com a barriga reclamando de fome, me sentei, em um restaurante super humilde, e pedi uma salada marroquina (que parece um vinagrete) e berinjelas. Foi um deleite comer aquelas berinjelas banhadas no azeite de oliva... que, para mim, equivaliam a um bife. Bati um papinho com o dono do restaurante, e segui minha caminhada silenciosa, contemplando as cores dos tecidos, dos tapetes, dos temperos, contemplando os diversos aromas que pelo meu olfato passava, contemplando os rostos das pessoas pelo caminho, o olhar profundo desse país, contemplando as ruas, contemplando o próprio caminho.

E foi contemplando que cheguei ao porto, céu aberto e muitas, muitas gaivotas. Tomei um suco de laranja natural, doce como a fruta, que só se bebe aqui! E adentrei outro portal, que me levou à uma nova paisagem, linda, impressionante, repleta de azul e vermelho, o azul dos barcos, o azul escandaloso do céu, o vermelho das redes. Quase todos os barcos do porto são barcos pesqueiros bem antigos, de pesca artesanal. Um verdadeiro paraíso para os pintores, que gostam de transferir paisagens para a tela em branco. E ali estavam eles, os pintores, discretos, tranqüilos, fazendo sua arte, fazendo sua parte no vai e vem do porto.

Passei a tarde perdida em Essaouira, e no final do dia me sentei a despedir-me do sol, na volta da jornada. Fiz todo o trajeto a pé e em silêncio, e na volta pro hotel me perdi novamente, e dessa vez não teve jeito, tive que recorrer a um taxi! Descansei a noite toda, passeei um pouco mais na manhã seguinte, peguei o ônibus de volta pra Marrakesh, torcendo pra ver de novo a arvore das cabras, e fotografá-la, mas era tarde demais. Não dá pra querer que as coisas aconteçam ao nosso gosto, senão onde estaria a tal da surpresa não é mesmo?! Sigo surpreendendo-me cada dia nessas terras, que como disse a Cris Lemos, me conquistaria pouco a pouco, “dito e feito, dito efeito”. E o trabalho de funcionária da música continua uma batalha diária. Afinal, na vida nem tudo é uma merda, e nem tudo são flores! Já que não posso cantar minhas alegrias, caminho silenciosamente, aguçando os sentidos que meu canto inebriava.

IX


A quarta semana em Marrakesh começou mais leve depois do retiro em Essaouira, leveza necessária para começar a jornada de trabalho sozinha, pois o cantor viajou para resolver questões burocráticas, e eu fiquei com as 3 horas de show durante 6 dias.Se não fosse a gripe que peguei essa semana seria bem mais fácil, confesso. O lado bom foi que o repertório mudou consideravelmente. Os clássicos seguem presentes na lista de canções (alguns bons e outros nem tanto) mas o brega foi dar um “rolé”, acompanhando o chefe da banda na viagem. Discretamente adicionei um sambinha, e hoje, começaremos a noite, eu e Lazara tocando samba canção. Em suma, minhas asas cresceram para poder segurar a atenção do público por o cantor é um verdadeiro “show man”, este super a vontade, todo o contrário do que eu sinto. E apesar de ainda me sentir presa, pude interpretar, abrir os braços, sair um pouquinho do meu casulo de falsa elegância, que mantém a minha expressividade contida e mata minha interpretação. Em suma, com o passar dos dias cantando sozinha, voltei a sentir, em alguns momentos, a música pulsando novamente dentro de mim, pude me transportar a outras dimensões, como eu gosto. Isso é essencial! As pessoas me sorriem, falam com os olhos, no inicio aplaudem timidamente, e depois o aplausos crescem, e até chego a escutar um “bravo”. O dono do bar também esboça satisfação, é um homem de bom gosto, e um amante do jazz e do samba.

Eu me deparo com diversas limitações para fazer samba aqui, pois os códigos são essenciais, e acompanhada por um grupo de música latina, fica complicado executar o samba. Mas eu dou um jeitinho, e aos trancos e barrancos consigo interpretar um que outro sambinha. Ontem foi uma noite especial. O restaurante não estava muito cheio, mas o público tinha interesse pelo que estava ouvindo, a banda estava super bem humorada, e eu mais solta (claro que nem a metade do que sou realmente), e isso se notava. Acho que consegui passar muita vibração positiva para as pessoas, me emocionei algumas vezes, cantei com o corpo, mais inspirada, mas verdadeira, como eu gosto e como tem que ser. E no final da apresentação, o dono do local me chamou pra conversar. Me elogiou, e me perguntou:” você canta samba originalmente???” E eu disse que o samba era uma das minhas paixões, e que eu vibro muito quando canto. Tivemos uma conversa rápida, e eu me permiti ser sincera. Ele disse que podia perceber a vida que brotava do meu canto, disse que percebeu tudo o que estava acontecendo, e que me sente mais a vontade e mais leve! A gente acha que a pessoas não sabem os motivos das nossas insatisfações, mas basta estar um pouco conectado, para entender o seu entorno. E esse senhor, sabia, sentia e captava a origem da minha tristeza. Foi super gentil comigo... e não precisei justificar a queda da minha rentabilidade e a minha ausência performática na banda. Ele já havia constatado! E disse: “a musica Brasileira é a sua vida não é mesmo?! Eu vi que hoje a música saía do seu coração”. “Eu sei que é difícil fazer musica Brasileira com um grupo latino, não se preocupe, eu te entendo. Gostei muito do show de hoje, bravo Livia”. Me pediu pra cantar “folhas secas”. E eu não posso negar o pedido do chefe! hehehehe

 

A música Brasileira tem um peso inegável na minha vida e na minha trajetória, porém, não é o fato de estar enveredando-me pela estrada latina o que me deixa triste. Adoro cantar em castelhano, estou descobrindo um outro universo musical, estou me misturando, renovando o meu canto, abrindo um leque. O X do problema é a falta de tesão, o fato de estar limitada a atender ordens de uma pessoa que não leva em consideração a minha sensibilidade. E me parece que esse senhor, um homem sensível percebeu isso! Pensou que era somente pela ausência da música Brasileira. Mas percebeu que existe uma flor dentro de mim, que passou quase um mês murcha, quase morta, e que voltou a desabrochar nos últimos dias, a flor da verdade, da emoção, da sinceridade, da alegria, da satisfação.

Amanha começarei o show cantando dois clássicos, dessa vez do samba, amanha começarei a acariciar a minha alma novamente, a sorrir, a abrir mais uma gretinha nesse muro de musica comercial! Acho que já consegui flexibilizar bastante o repertório, e o muro ta cheio de gretas! Meu objetivo é que ele desmorone... e como é difícil fazer com que isso aconteça em 2 dias, vou quebrar o que eu posso nesse fim de semana. Pois na semana que vem volto a dividir o espaço com o dono da banda, e acho que as coisas voltam a ser como eram antes.  E eu retomo a minha posição de funcionária, entro novamente no esquema servil do “sim senhor, não senhor”. Volto a segurar essa minha onda de “aquariana rebelde”, a esconder a minha essência. Mas não tem problema não, agora a minha cabeça está fresca, a minha visão ampla. Sei que falta pouco tempo. E tenho certeza que nesse teatrinho de mentiras, onde eu me encontro trabalhando como atriz, o pouco de verdade que eu deixo escapar, tem um valor imensurável, e chega rapidamente aos ouvidos e aos corações das pessoas. Não há força maior, mais transformadora e poderosa do que a força da verdade, a força do universo, a força da natureza. Essa força, somente essa força tem livre fluxo e perdura. Acredito que essa seja uma fase muito importante na minha vida, eu intuí que seria duro, antes mesmo de chegar, eu sabia que seria um momento de descoberta da minha força interior. Cometo muitos erros pelo caminho, isso é mais que normal, mas quando atuo de acordo com as minhas certezas, com a minha luz interior, as coisas fluem, mais dia, menos dia, inevitavelmente! Encontro no fundo do meu coração o apoio para seguir sendo fiel aos meus princípios, aos meus sonhos, às convicções que me levam a cantar e ser quem sou!


X

Amanhã se celebra uma das festas mais importantes para os muçulmanos, a "Aid Kbir" (festa do cordeiro), aqui no Marrocos. E se compara em nível de importância e religiosidade ao nosso natal.
Eles sacrificam um cordeiro, simbolizando uma passagem do Corão, em que Abraham esteve a ponto de sacrificar a seu filho, Ismael, e recebe uma ordem divina de sacrificar a um cordeiro lugar do filho.
Quase todas as famílias marroquinas sacrificarão um cordeiro amanha as 10hs da manhã, em um riual religioso, para comê-lo mais tarde. A festa já começou... A cidade está cheia de cordeiros, por todos os lados. Principalmente encima das motos, dos que compraram o animal e não tem outro meio de transporte. Ontem eu estive na medina, e vi uma quantidade inacreditável de carneiros naquele intrigante laberinto.
Serão consumidos, 5 milhões de cordeiros, aproximadamente, e uma pequena parte deles, doados às famílias mais pobres.

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