Sintra, Portugal - Viagem

Ao volante do chevrolet pela estrada de Sintra

POR MARCELO FRANCO, revista Bula - 28 nov 2012
Dizem que conhecer o mundo e não conhecer Sintra, não é conhecer o mundo.
Eu e R., cansados de tanto subir e descer ladeiras em Lisboa, pedimos um táxi para irmos ao Castelo de São Jorge. O motorista, com vastos bigodes portugueses, chama-se — é claro, pá! — Manuel.

Manuel nos leva vagarosamente ao alto da colina, mais preocupado em mostrar pontos turísticos sem nada de muito especial do que com o fluxo do trânsito. Sua forma de falar é difícil de entender; para mim, o homem até merece ser estudado por causa dessa sua prosódia portuguesa mais acentuada, assim me parece, do que a dos seus conterrâneos: vogais sempre engolidas e plurais muito puxados. Em certo momento, ele atende ao telefone celular e percebemos que alguém lhe conta uma briga com outra pessoa; com certeza ouvindo o que seu interlocutor teria dito durante a discussão, ele comenta: “Finura de resposta”. Para meu deleite, repete a frase várias vezes, “Finura de resposta! Finura de resposta!”, tudo muito rápido e soando “fin’ra di rissposst’”. Seu jeito todo o torna caricatural, um tipo de português de piada. Tenho vontade de perguntar-lhe se conhece “Francisco Carlos Guedes Santos” só para ouvi-lo repetir, em dúvida e cofiando os bigodes, “Francisssco Carlusss Guedisss Santussss?”. Não é um sotaque, é uma máquina de lavar louças. Fascinado, eu percebo que o conheço desde menino: ele é o Manuel da padaria, o amigo do Joaquim e marido da Maria. Sabe aquela do assalto ao banco? Era ele. A do policial rodoviário? Também ele.



Pois lá vamos nós, Manuel se alternando entre o telefone e o que considera interessante para nos apontar. Estou gostando cada vez mais da coisa. Reconheço os sinais de perigo, mas, ainda assim, sou incapaz de me conter: percebo que estou atacado por aquela doença que atinge a nós turistas e nos faz achar tudo agradável e pitoresco, tornando-nos generosos ao extremo. Como já há outras doenças típicas de turistas — síndrome de Stendhal, síndrome de Jerusalém e síndrome de Paris —, chamarei então esses súbitos ataques de generosidade de síndrome de Fernando Pessoa. Explico. Pessoa, ou melhor, seu heterônimo Álvaro de Campos, tem um poema que se inicia assim: “Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa/Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,/Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;/E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha/(...)//Sinto uma simpatia por essa gente toda,/Sobretudo quando não merece simpatia”. Pois é: eu também sinto uma simpatia enorme por essa gente toda.

Portanto, atacado pela conhecida — e ainda sem cura — doença que no exterior nos faz confraternizar com todos, resolvo contratar Manuel para que passe um dia conosco e nos leve a Sintra e arredores. Talvez minha boa vontade também tenha origem no almoço que tive com R. no alto do Castelo, na “Casa do Leão”: vinho excepcional, comida perfeita, Lisboa aos nossos pés e R. ao meu lado — 90 minutos com R. que já estão inscritos entre os mais preciosos da minha vida. Ou talvez este espírito gregário venha da leve embriaguez, não sei bem. De qualquer modo, não importa: tirei a tranca da carteira. O brilho nos olhos do Manuel é um tanto suspeito, mas fecho o negócio assim mesmo. (O preço que ele cobra, imagino, é exagerado, mas, receoso de confirmar essa suspeita, não pechincho e tampouco o comparo com os preços de outros taxistas. R., mais prática, reclama; contudo, como já disse, minha generosidade é sintoma de doença e por isso nada posso fazer para contê-la.)

Manuel e nós sairemos da Praça da Figueira: devemos encontrá-lo junto à “estátua do soldado”. O “soldado” é D. João I, o que tento dizer a ele, mas o homem não me dá ouvidos. Tudo bem. Chegamos à Praça, no outro dia, logo pela manhã, e Manuel, quando nos vê, faz gesto largos. Tranquilizo-me: parece sinceramente feliz. Ele nos conta que tentou ligar para o meu telefone celular várias vezes — havíamos trocado nossos números —, tendo até deixado diversas mensagens na secretária eletrônica. Rezo para que o sistema internacional de telefonia não permita que essas mensagens fiquem gravadas.

A boa impressão acaba rapidamente e começo a ficar menos confiante do que no momento em que o contratei, pois uma inspeção mais apurada não me agrada: Manuel está sujo, sua jaqueta jeans muito encardida, seus bigodes amarelos exalam morrinha de sarro de cigarro. O carro parece mais velho do que antes e, como o próprio Manuel, precisa de uma limpeza em regra.

Paciência, tudo vale a pena se a distância é pequena. Entramos no carro e logo Manuel nos passa fotografias ensebadas de Sintra e livros turísticos que estão se despedaçando. Tentamos apenas fingir que os olhamos, mas ele é insistente: precisamos folhear tudo e fazer comentários. O homem é do tipo, por assim dizer, dialético.

Peço a ele que nos leve ao Palácio de Queluz. No caminho, vou contando a R. tudo o que li sobre o assunto. Além de me exibir, evito com isso que Manuel continue falando, já que, descobrimos, é uma verdadeira matraca. Mas ainda assim ele resolve disputar comigo e dar os seus palpites. Desafiado, conto então que D. Pedro I nasceu e morreu em Queluz. Manuel me contradiz: afirma que foi D. Pedro IV. Paciente, explico ao energúmeno que o nosso D. Pedro I é o D. Pedro IV dos portugueses, mas o homem, com um “Ora, pois” raivoso dito entre os dentes, não parece convencido. Ora, pois, penso também eu. Acho até que estou me curando da síndrome, há uma raiva crescendo em mim — raiva que aumenta muito quando chegamos a Queluz: o Palácio está fechado para reformas. Penso comigo que Manuel poderia ter pesquisado sobre isso e nos dito. Péssimo guia.

Continuamos a viagem, Manuel ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, e no caminho temos instrutivas palestras suas sobre especulação imobiliária nos arredores de Lisboa, incêndios florestais e assaltos a taxistas. Deixe estar, cavalgadura, que não vai ganhar gorjeta.

Em Sintra, Manuel nos leva logo ao Palácio Nacional, aquele das duas chaminés estranhas. Fechado. Navegar é preciso, viajar com Manuel não é preciso. Começo a achar que talvez Portugal esteja fechado só para o Manuel e para nós. Manuel é o fecha-atração, é o tranca-museu. Se estivéssemos em busca de neve, com certeza Manuel faria a temperatura chegar aos 30 graus; se quiséssemos calor, haveria chuva; se fôssemos com ele ao Louvre, a Mona Lisa seria furtada logo antes de a vermos. Sim, ele agora é o meu terremoto de Lisboa pessoal: é da sua natureza destruir a ideia de um planejado dia perfeito e incendiar boas intenções. Um só Manuel bastaria para derrubar o Império Romano: declínio e queda, seu nome é Manuel.

Um tanto nervoso, digo que estou com fome e ele sugere, claro, restaurantes de amigos, mas fazemos somente um lanche rápido e conseguimos que o diabo do homem nos leve ao Palácio da Pena (extremamente pitoresco, é só o que eu digo). Depois, o Castelo dos Mouros.

No Castelo. Enquanto compro os ingressos, R. fica ao lado de Manuel. De costas para eles, tenho um pressentimento ruim, me viro de repente e vejo R., toda sorriso, entregando nossas jaquetas e sua bolsa para o também sorridente Manuel — nela estão nossos passaportes e uma boa quantia de dinheiro. Tenho uma vertigem. Suor frio, joelhos bambos, visão turva. Antevejo o futuro: a bolsa com dinheiro e passaportes furtada. Falta de dinheiro. Vergonha. Ignomínia. Expulsão do país. Vou cambaleando ao encontro dos dois, e R. não percebe que, nesta altura dos acontecimentos, já sou um homem arrasado — Manuel, nosso personal tsunami, convenceu-a a entregar a bolsa com mesuras, salamaleques e uma avalanche de palavras ditas rapidamente. Suspeito de hipnose.

Não tenho coragem de pedir a bolsa de volta, então somos despachados por Manuel para dentro do Castelo e avisados por ele de que o passeio é “curto, pá”. O Castelo (ou antes: suas ruínas) é mesmo uma visita obrigatória, mas não há nada de curto no trajeto: uma longa trilha, caminhos que se bifurcam — sempre escolho o errado, uma espécie de regra em minha vida —, escadarias enormes. As vistas são maravilhosas e pagam a caminhada — vê-se até a costa —, mas a bolsa não me sai do pensamento. Logo abaixo, Sintra — só vejo a bolsa. Ao longe, o mar — vejo a bolsa. O verde da serra — vejo o marrom da bolsa.

Sem fôlego, fazemos a longa caminhada de volta. Vou cabisbaixo. Se Álvaro de Campos me visse, diria: coitado do Marcelo Franco, tão deprimido nas sensações, coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! Meu desespero é ainda maior do que o tolerável porque estou certo de que teremos de mendigar para voltar a Lisboa. Surpreso, percebo que Manuel está lendo um jornal encostado no carro. A bolsa de R. está pendurada no seu ombro. Cara estranho: o próprio mistério da estrada de Sintra. Continue abusando, seca-pimenteira, que ainda dou o troco.

Queremos ir à costa e peço a ele para voltarmos pela Serra de Sintra. Manuel conta que nela havia corridas de automóveis, parece que um famoso corredor morreu na estrada. Dá detalhes sobre o crânio esfacelado, informação que, por causa da alta velocidade em que estamos, não recebo com agrado. Pedimos para parar à beira de um lago para uma fotografia — Manuel obedece, só que resolve dirigir toda a cena. Insiste para que alguns patos apareçam ao fundo, mas os patos não concordam e quase nos atacam. Imagino que já conheciam Manuel e, por isso, simpatizo com os bichos. Pobres patos. Tudo bem, tudo bem, penso, são apenas férias. A minha solidariedade com os patos, porém, faz R. ficar alarmada e sugerir “meia bandinha de Lexotan” — por segurança, peço para guardar a caixa no meu bolso. O pilantra do Manuel diz que é adepto do “Lex” e pede um comprimido. Será que quer dirigir dopado? Por mim, o espanta-pato poderia engolir todos de uma vez.

As cidadezinhas deixam Manuel confuso. Noto que ele tenta esconder que está consultando um mapa. Para disfarçar, ele nos brinda com o seu amplo conhecimento sobre a localização das casas de jogadores de futebol brasileiros. Como está perdido, com certeza está inventando. Nossos estômagos roncam, o dia avança, Manuel está totalmente sem rumo. Ali não é casa do Juninho Ziguizira? Cala a boca, Galvão!

Por fim, chegamos ao mar. Como fiz minha lição de casa, já sei em qual restaurante iremos almoçar. Só que Manuel quer nos mostrar a Praia do Guincho e a Boca do Inferno. Sabem aquelas fendas que fazem barulho com as ondas do mar? Pois é, isso é a tal da Boca do Inferno. Tem em todo lugar. Já vi uma em Fernando de Noronha. “Boca do inferno”, “Garganta do Diabo” ou “Toca do Leão” — tudo a mesma coisa. Digo isso ao Manuel e entro logo no restaurante para que ele não nos convença, percebendo com o canto dos olhos que o pândego não ficou contente.

Pedimos um vinho branco, que se revela excelente, enquanto escolhemos os pratos. De repente, sinto outra vertigem. Se fosse possível cambalear sentado, com certeza é o que eu teria feito, pois os joelhos ficaram de novo bambos e deixei de sentir as pernas. Como já conheço os sintomas, olho para o lado e confirmo o que pressentia: Manuel, o nosso verdugo de aluguel, está dentro do restaurante nos procurando. Qual seria a pena por homicídio em Portugal?

Ele parece bravo: insiste que deveríamos ver, antes do almoço (são três horas da tarde!), a tal da Boca do Inferno e a Praia do Guincho. Repreende-nos em voz alta e na frente dos outros fregueses, incorporando ele mesmo o papel de uma boca do inferno. Já eu estou prestes a emitir, em agonia, um guincho. Para meu desespero, reparo também que ele está cheirando a gasolina, certamente esteve fuçando no seu carro — o que não combina muito bem com o cheiro de peixe de primeira que está (estava!) no ar. Entro em pânico e a ideia de que nunca mais vou me livrar do homem toma conta de mim: Manuel no comando por toda a viagem, Manuel no hotel, Manuel e seus bigodes nos guiando nos museus, Manuel ouvindo fado conosco e comentando as músicas. Manuel, o sebastianista de si mesmo. Respiro fundo, tomo um largo gole do vinho, me recomponho um pouco e consigo dispensá-lo depois de parlamentar com o gerente sobre a situação. Não fosse eu um homem criado no bravo interior de Goiás e com certeza já teria acusado a derrota — mas pode ser que eu ainda precise de um trago de algo mais forte.

Depois do vinho e do almoço, sinto-me ligeiramente reconciliado com o homem. Tocamos para Lisboa, agora seguindo ao lado da costa e do Tejo. Só que Manuel também segue pontificando e nos aponta tudo dos dois lados da estrada. O forte no qual presos políticos ficavam trancafiados. A pequena praia que ele frequenta aos domingos com a patroa e os guris (boa para pescar, aprendemos). O cassino de Estoril, onde ele certa vez ganhou uma bolada. “A casa de pasto muito fixe” (“restaurante muito bom”) que ele aprecia. Cascais (“Caisscaisss”). Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém, casa do cunhado do Manuel. Antiga Ponte Salazar, hoje Ponte 25 de Abril — houve aquela vez em que ele conversou com Salazar e... Desligo-me da conversa. Desvio o meu pensamento. Penso em avencas na caatinga e alecrins no canavial. Licores na moringa. Penso numa linda mulata com rendas do Alentejo. Penso também no hotel; na verdade, anseio pelo hotel. Penso no dia de amanhã. Penso em revólveres — não, não! —: penso em vinhos.

Enfim, Lisboa. Manuel nos deixa no Terreiro do Paço, certo de que o “gajo e a rapariga” — eu e R. — apreciamos as suas aulas. Sobra espaço para que ele nos ensine que a praça foi reconstruída depois do terremoto de “1655”, errando em cem anos a data do desastre. Mas não tenho mais a pretensão de corrigi-lo. Extenuado, peço as nossas jaquetas, ele abre o porta-malas e as tira de lá, onde estavam misturadas com coisas estranhas que prefiro não saber o que são. Estão imundas. Pago o preço absurdo e ainda arredondo para cima e não ouso reclamar, pois agora o homem está com um olhar sinistro e deixou de sorrir. Ah, Fernando Pessoa, coitado de mim que dei hoje, num gesto largo, liberal e moscovita, tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, ao Manuel, que tem olhos tristes por profissão.

Segue a tortura. Manuel, o nosso Torquemada de escolha própria, agora com o dinheiro na mão, abre o sorriso de novo e saca uma máquina fotográfica para guardar o momento. Pede a um passante para nos fotografar: Manuel ri, R. faz cara de paisagem e eu enxugo as lágrimas. Na despedida — enfim, a bem-aventurança! —, Manuel praticamente se oferece para ser nosso padrinho de casamento. Pois que espere sentado: se eu me casar apadrinhado pelo Manuel, sei que o divórcio sai em uma semana.

Voltamos ao hotel. Aos poucos, a minha tremedeira passa. A dor opressiva no peito cessa, a boca não está mais seca. E a dormência nos dedos diminui bastante. Já tomando outro vinho, R. e eu rimos do Manuel. Começo a achar que exagerei e que Manuel até que é um cara agradável. Mais um vinho e concluo: o cara é um tanto verborreico, é verdade, mas é bem-intencionado. Houve excesso de atenção não solicitada, mas não deixou de ser atenção. Ele até transmite uma impressão, digamos, de certa autenticidade rústica. Sim, eu é que preciso deixar de ser ranzinza.

Encerro aqui: sobre a viagem que eu e R. fizemos a Óbidos, no dia seguinte, conto depois — apenas antecipo a vocês que Manuel, apesar dos palácios fechados, gostou muito.




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