Espanha - 

Manifestações no Brasil: um ensaio sobre a identificação

Livia lucas (Barcelona) - 14 de agosto
Da Espanha, Livia Lucas nos da seu ponto de vista sobre o conflito entre manifestantes e policiais no Brasil. Ela reabre o eterno debate: Pro ou contra a repressão do estado ? E necessária a violência para fazer avançar as novas ideias ?

Hoje, conversando com meu irmão por internet, sobre a complicada situação de conflito entre policiais comandados pelo governo e os manifestantes que exigem a saída de Sérgio Cabral do mesmo governo do Rio De Janeiro, vomitei um inquietante questionamento que venho ruminando faz algum tempo.

O que difere um soldado, policial ou guerrilheiro que mata o “inimigo”, de um assassino que mata sua vítima, à vítima que mata em legítima defesa?

O argumento.

A grande diferença entre eles está no argumento, na justificativa, na autorização.

O comportamento humano, sua premiação ou repúdio estão sujeitos ao julgamento social do que é certo e o que é errado.

Nas três situações um ser humano usurpa a vida do outro, porque nesse momento não o identifica como igual, ou seja, não se identifica com o sujeito que vê à sua frente. Nos três casos houve um ataque violento que resulta na morte de uma ou mais pessoas, casos que estamos cansados de ver, e não deveríamos. Mas os protagonistas, como é sabido, terão destinos diferentes:

O(a) primeiro (a) será premiado em caso de vitória, ou no mínimo parabenizado por cumprir com seu dever, pois está autorizado pelas leis criadas por um poder político-institucional (o qual ele(a) acredita piamente possuir), a usar as mãos, armas e uniforme para “defender” essa instituição ou bandeira.

O(a) segundo(a) será julgado (pelo mesmo poder político-institucional que autoriza o primeiro caso), condenado, encarcerado e esquecido, ou talvez lembrado por sua perversidade, sem direito a perdão nem piedade.

Já o(a) terceiro(a) será perdoado pelas circunstancias, pelas leis e por um imenso coletivo que apoiará sua atitude corajosa.

Nós, humanos, cidadãos do mundo, padecemos de uma crônica falta de identificação, capaz de distinguir-nos de tal maneira que por momentos, ou durante uma vida inteira logramos ver a outro ser humano, como um ser alheio, um ser de outra dimensão, de outra “raça”. Como se nossa capacidade de discernimento fosse tão débil (quase uma constatação) que não conseguimos perceber que estamos constituídos da mesma matéria, da mesma composição celular, mesmo sangue, mesmo impulso de vida, e de um conseqüente impulso de morte que nos levará à mesmíssima condição de dejeto, independente do preço do caixão.

E como é que, diante de tão clara e convincente conclusão seguimos cegos frente à presença de alguém tão semelhante a nós? Como podemos odiar a uns e adorar a outros se somos o mesmo? Como podemos matar-nos tão vilmente sendo filhos da mesma natureza?

Um dia um senhor me contou uma história que por muito tempo passeou por minhas reflexões:

Em plena guerra entre colonos ingleses e Indianos colonizados em processo de independência, quando cidades inteiras eram devastadas pelo exército britânico, e ao mesmo tempo Islâmicos e Indús. acumulavam milhares de mortos em outra sangrenta guerra religiosa e territorial, soldados Ingleses invadem um povoado matando seus habitantes indiscriminadamente. E quando já não se escutava um grito sequer  pelas ruas, um soldado adentra  um pequeno templo e se depara com um senhor, meditando, em um estado de paz profunda. Surpreso o soldado dá meia volta e consulta seu comandante, que lhe ordena matar o ancião. Assim sendo o soldado impunha sua espada e com um golpe penetra o coração do velho homem à sua frente. O velho abre os olhos, fita profundamente o olhos do soldado, e com serenidade enquanto sente a espada atravessar seu corpo lhe diz: A mim você não engana... Eu e você somos o mesmo!”.

Se alcançáramos essa percepção desde uma perspectiva bem profunda e lúcida de que todos nós somos o mesmo, não teríamos a audácia de dirigir sequer uma palavra com a intenção de ferir aos demais, pois os demais deixarão de ser alheios para ser iguais, únicos como cada ser que habita esse universo, porém iguais. Ferir ao outro é ferir a nós mesmos.

Imagine um policial, desses que a cada dia vemos pelas notícias e pelas ruas, descendo o cacete em manifestantes pacíficos, arrastando-os pelo chão e dirigindo-lhes frases das mais desagradáveis. Imaginem que em uma dessas sessões de duras pancadas o guarda percebe que o alvo do espancamento é seu próprio filho. É atordoante! “Sou algoz da minha própria cria!”

Aí está a identificação!!!

Essa classe de identificação tão radical e dolorosa muda por completo a vida de uma pessoa. E só de imaginar podemos entender nossa delicada condição.

Quando se trata de um confronto entre manifestantes e autoridades, o que os dois lados desse enfrentamento precisa entender é que não existe “nós e eles”, que não somos inimigos, senão todo contrário. A maneira de pensar e atuar muda radicalmente e aprendemos a ver os dois pólos de qualquer confronto como o pai que bate e o filho que apanha, ou o filho que odeia o pai por ter mais força e poder.

Quando o manifestante começa a identificar-se com o assalariado fardado (tão assalariado quanto ele), e esse homem duro e uniformizado que ainda não percebe o quanto ele é também um oprimido. Se em algum momento o pseudo-opressor começa a perceber que corre os mesmos riscos, e nas veias corre o mesmo sangue, e que atua sobre ele as leis da natureza, da mesma maneira que atua sobre o militante pacifista (que já é um paradoxo em si), o conflito perde força, e a vida humana ganha sentido, sentido comum, mais que óbvio.

Deveríamos lutar juntos, pelos mesmos direitos! Se fosse assim lutar seria uma incoerência. É óbvio que estamos muito longe dessa realidade. Porém é preciso começar, só é possível andar dando passos adiante.

O mais irônico é dar-se conta de como toda opinião, atitude ou julgamento pode ser relativizado. E utilizo o exemplo POLICIA X CIDADÃO por ser um tema muito atual, diria atemporal, que ilustra perfeitamente a temática da identificação.


Voltemos a fantasiar e imaginar um mundo sem policiamento durante 24 horas.

Te atreves a sair de casa??? Eu não!

Pois bem, instituição e população se necessitam mutuamente. E nos dias de hoje é quase impossível conceber a existência de um sem o outro. Podemos ter na figura de um mesmo policial dois clássicos arquétipos, o herói e o vilão, tudo depende da ocasião.

Se nossa casa está a ponto de ser invadida por assaltantes armados, ligamos pra polícia e antes que a porta seja arrombada os guardas conseguem prender os assaltantes, qualquer pessoa terá imensa gratidão aos “heróis” que salvaram a sua vida e de sua família.

Se meses depois você encontra esses mesmos guardas no meio de uma aglomeração de gente distribuindo pancadas e uma acerta o seu rosto, os “heróis” se converterão automaticamente em “vilões”.

Quando alguém nos “salva” ou te faz um favor existe uma identificação fácil e imediata, entretanto quando alguém nos fere, física ou emocionalmente essa identificação desaparece.

As relações conflituosas com o mundo surgem primeiro dentro de nós. E o que vemos fora é apenas uma reprodução dessa luta entre bandido e mocinho que travamos internamente em nosso cotidiano íntimo.

Temos um exercito sangrento e uma multidão pacífica em nossa mente, somos céu e inferno, nossos melhores amigos e nossos piores inimigos. Basta com escolher identificar-se com alguma dessas facetas, como escolhemos querer ou não querer a alguém ou alguma coisa. Saltaremos de um galho a outro, nos agarraremos às nossas opiniões, identidades e escolhas até o momento em que o entendimento e a sabedoria nos arrebatem, as nossas armaduras venham abaixo, e nos invada a conclusão de que qualquer tentativa de dividir, separar e limitar nossas mentes, nossos corpos e nossos corações nos leva sempre ao conflito, a dor e à ignorância.

Para entender essa separação inútil e patética comecemos por nós mesmos, a través do difícil processo de identificar nosso céu e inferno, nossa auto culpabilidade, nossos auto-julgamentos, nossa auto depreciação e exigência excessiva, identificar os policiais e os manifestantes que somos, os conservadores e os subversivos que levamos dentro. Depois passemos ao contato com a nossa família, identificando-os como iguais. Identificar-nos com os seres mais próximos é às vezes mais difícil que entender a um desconhecido. Depois passemos à porta ao lado, e aos que cruzam nossos passos pela rua, aos que nos ajudam, e os que atrapalham, aos que nos atendem, e aos que nos ofendem, aos que nos sub-julgam, e aos que sub-julgamos, aos que nos ignoram, e aqueles que ignoramos, aos que nos odeiam e aqueles a quem que odiamos, até chegar aos que nos governam. Subamos as escadas degrau por degrau, de dentro pra fora, a fim de perceber que, como uma grande manada, precisamos do mesmo ar, da mesma água, do mesmo alimento, da mesma cura (para o corpo e para a alma), do mesmo amor, todos, absolutamente todos os seres humanos.



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